Úlcera Gástrica em Cavalo


A úlcera gástrica é um problema recorrente não só nos humanos, mas também em várias espécies selvagens e, frequentemente, em cavalos. Geralmente, ocorre em potros e equinos adultos, tendo efeitos mais devastadores nos primeiros, pela facilidade com que evoluem para a morte. 1

Conceptualmente, as úlceras gástricas são soluções de continuidade causadas por corrosão peptidica (ácida) sobre a mucosa gástrica dos equinos. Isto acontece sempre que existe um desequilíbrio entre os factores agressivos e os protectores neste órgão, sendo que o despoletar deste momento pode ser causado por situações tão simples como o stress até estados pós-operatórios não assimilados pelo animal.


Contrariamente às espécies domésticas como o cão e o gato, e também contrariamente a nós, os cavalos apresentam um estômago com uma grande porção não-glandular e uma pequena porção glandular - a úlcera tanto pode ocorrer numa localização como noutra (apesar de mais comum em localização não glandular ou junto às curvaturas) 2, pode ser superficial ou profunda, extensa ou restrita, aguda ou crónica e pode encontrar-se em cicatrização ou não.

A úlcera gástrica tem uma elevada prevalência na população equina, derivando daqui a importância do estudo da sua sintomatologia e tratamento: afinal, cerca de 60% a 90% da população de equinos adultos e 25% a 50% dos potros desenvolve úlceras e, a nível de animais que participam em treino de corrida pode ser atingida uma percentagem acima dos 90%. 3




Em muitos casos, as úlceras são silenciosas, pelo que a atenção do dono é essencial a todos os pequenos pormenores diferentes dos habituais.
Nos potros, é habitual ocorrer bruxismo (dentes com abrasão), salivação excessiva, apetite diminuído e dor após alimentação, bem como tentativa de vómito em alguns casos. Já nos adultos, os sinais são vagos, com excepção da cólica que pode ser persistente; temos então, dentro dos mais difíceis de observar:

- diminuição do apetite;
- perda de peso leve a moderada;
- depressão;
- diarreia;
- alteração de comportamento e hábitos de alimentação;
- também pode ocorrer bruxismo e aumento de salivação, em alguns casos.

Há descrição de 4 denominações diferentes para esta síndrome, consoante as suas características: úlceras assintomáticas, úlceras activas, úlceras perfuradas e obstrução gástrica/duodenal.
A gravidade dos sintomas não está correlacionada com a gravidade da úlcera. 1



O maior tormento para o desenvolvimento da úlcera no cavalo é o stress.
Desta forma, é recorrente existirem cavalos de corrida com o desenvolvimento desta síndrome. Outros sinais associados ao stress são o treino intenso, a demonstração do animal em público ou sua retirada de um local de conforto, a disposição do estábulo e seu conforto, a perda de outros elementos da 'manada' ou mudança dos companheiros de celeiro, os horários de alimentação imprevisíveis, a solidão, visitas ao veterinário, entre outros.

A administração de fármacos também é perigosa para o desenvolvimento de úlceras gástricas: desta forma, anti-inflamatórios não esteróides (AINEs) não são recomendados por um período prolongado de tempo. Os AINEs aumentam a contractibilidade dos vasos sanguíneos, diminuindo a oxigenação e nutrição das paredes do estômago, acarretando um maior tempo para a regeneração da mesma conseguir ocorrer.



Não. As úlceras são classificadas numa escala de 0 a 4, sendo que no nível 0 temos uma parede de estômago aparentemente normal e no nível 4 há ulceração grave, com abrasão profunda gástrica.
Infelizmente, a confirmação deste diagnóstico pode ser dolorosa para o animal, além de cara e (dentro dos limites temporais) demorada: a técnica a que nos referimos é a gastroscopia, sendo praticada por um médico veterinário e, para que seja efectuada correctamente, o animal deve apresentar jejum de 12 a 24 horas. O animal é sedado. 4

Para os mais corajosos, fica uma pequena demonstração do que é possível visualizar durante uma gastroscopia:




O tratamento mais directo é a diminuição do factor de stress do animal, bem como a eliminação da administração de AINEs: estes últimos são contra-indicados juntamente com medicação anti-ulcerativa.
A medicação, dosagem e duração de tratamento dependem da localização e severidade das lesões, manifestações clínicas e possibilidades financeiras do proprietário.
Dentro das medicações recomendadas temos: 1

- antagonistas dos receptores H2 de histamina (cimetidina, ranitidina, famotidina);
- bloqueadores das bombas de protões (omeprazol);
anti-ácidos (hidróxido de magnésio ou alumínio), que aumentam o pH ácido do estômago, com efeito de curta duração, acarretando no entanto a problemática do corpo responder com maior produção de ácido 2;
- protectores de mucosa (sucralfato - apenas para lesões duodenais e da mucosa glandular -, subsalicilato de bismuto);
- análogos de prostaglandina (misoprostol), com efeito muito conhecido em humanos e ainda em estudo nos equinos;
- estimulantes de motilidade, quando se verifica atrasos no esvaziamento gástrico concomitante com úlceras gástricas (metoclopramida, betanecol).

De um modo geral, o tratamento das úlceras gástricas tem como objetivo reduzir a acidez gástrica, promover a cicatrização da mucosa, controlar a dor e prevenir recorrências.

Este tratamento farmacológico deve ser acompanhado com visão endoscópica, uma vez que o tempo necessário para a resolução dos sintomas clínicos é inferior ao tempo necessário para a cura da lesão.
O tratamento cirúrgico apenas é recomendado para úlceras perfuradas ou obstruções gástricas que não respondam à terapia.


1. Forneça pequenas refeições, frequentes, para ajudar a estabilizar a acidez estomacal;
2. Adicione polpa de beterraba e alfafa à dieta, visto serem ricos em proteína e pectina e auxiliarem a amortecer o ácido gástrico;
3. Aumente a porção de feno na dieta, para neutralização;
4. Evite a solidão do animal, abrigando o mesmo com 'companheiros' em estábulos espaçados;
5. Se o seu animal é praticante de provas de corrida ou outras actividades stressantes, considere a utilização de fármacos preventivos de úlceras (o omeprazol já é permitido em competições, por exemplo);
6. Sempre que for necessária a administração de AINEs, recorra a protectores de estômago também e use durante o menor tempo possível. 4

Embora seja aborrecido gerir e prevenir situações de úlceras gástricas equinas, os benefícios não têm preço: se tem a mínima suspeita de que o seu cavalo está a ser afectado por este problema, consulte o seu médico veterinário o mais rápido possível.


1. Correia da Silva, L., Belli, C., Baccarin, R. and Fernandes, W. (2001). Gastric Ulcers in Horses. Continuous Educacionl Journal, 4, pp.39-47.
2. Brito, L. and Sá, P. (2015). Tratamento de Úlceras Gástricas em Equinos. Revista Científica de Medicina Veterinária, 2(1), pp.30-42.
3. Palma, G. D. et al. (2007). Úlcera gástrica em equinos. Revista Científica Electrónica de Medicina Veterinária, 8, pp. 1-6.
4. Grant Miller, D. (2014). Ulcers in Horses. [online] Expert Advice on Horse Care and Horse Riding. Available at: http://www.equisearch.com/discoverhorses/ulcers-horses-21373 [Accessed 20 May 2017].

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